Sempre haverá uma gota nessa xícara da saudade. Uma gota. O que não é o bastante para que eu sacie essa sede que ela me presentou ao enfrentar o lado de fora da minha casa tão de pressa. Não tão depressa quanto eu merecia. Eu a mandei embora. Ela não foi. E eu nem fazia questão de perguntar, ou me perguntar, o que é que eu, um cara tão vazio, tinha de tão cheio, para que ela continuasse alí. Fazendo por mim, algo além de tudo.
Ela era minha amiga, era minha mãe. Mas eu só a via como minha prima. Daquelas que quando a gente encontra nas festas de família, arruma qualquer cantinho pra traçar alí mesmo. Não era estranho, era a gente. Era a gente de uma maneira que sempre foi. Mas agora sou só eu. Agora é só ela.
Ela que chorou, chorou como forma de pedido para que eu chorasse junto. E eu, não soube nem ao menos encenar alguma coisa, para que ela se sentisse confortada. Não, meu amigo. Eu não soube. E ainda não sei.
Eu só sei que, agora ela tem uma bicicleta. E saí por aí, arrancando olhares maliciosos de caras tão desesperados como eu.
Ela comprou uma bicicleta. E é como se levitasse a cada quarteirão que passa. É como se espalhasse pelas avenidas toda essa sua vivacidade, que era minha. Era. E agora, meu amigo. Ela comprou uma bicicleta. Da qual ela cuida com todo o cuidado. Curva o corpo para desenroscar as correntes, e até pendurou um espelho no guidão direito, para que assim pudesse disfarçadamente analisar todos os admiradores que conquistasse. E permaneço aqui. Me imaginando em forma de bicicleta. Me ridicularizando por imaginar lacinhos em meus braços, os mesmos em que ela caracterizou o guidão, como dela. Eu era dela.
Mas aí ela comprou uma bicicleta. E eu comprei um pacote de biscoitos para assistir ela passar em minha frente, todos os dias, ignorando a minha absurda falta de presença. A mesma que mantive por meses em sua vida. Sempre haverá uma gota nessa xícara da saudade. Porque entre casar e comprar uma bicicleta, ela optou pela segunda opção e não parece arrependida. E por que ela estaria? Ela pode agora, livremente rodar por todos os cantos desse mundo que ela julga tão grande, mas meu amigo, mal sabe ela que perto de seus sonhos, esse mundo é um porão.
Por enquanto tudo certo. O meu desespero só irá se aprimorar quando ela largar essa bicicleta em qualquer calçada e ir correndo viver uma aventura da qual eu não participo. Não mais. Nunca fui de gostar disso. E agora me soa constrangedor. Eu não tenho o que dizer. Eu a perdi para uma bicicleta. Mas o pior de tudo é imaginar, que em algum futuro não muito longe do presente, eu verei ela se confortar e chorar nos braços de um piloto de avião, do qual irá leva-lá ao céu quinze mil vezes, para que ela prove ao mundo e a mim, que ela pode voar... E o pior de tudo, acompanhada.
taaaaaaão meu *-*
ResponderExcluirFeliz por ter se identificado.
ExcluirQue texto lindo Bárbara!
ResponderExcluirAo lê-lo, foi como se lesse alguém falando de mim. Alguém falando do meu desejo mais intimo: "Ela pode agora, livremente rodar por todos os cantos desse mundo que ela julga tão grande."
Adorei! *-*
Fico feliz por ter gostado, viu? As vezes percebemos que os nossos desejos nem são tão íntimos assim, estão por aí na vida de outras pessoas também.
ExcluirNossa, muito lindo esse texto! gostei mesmo!! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada =)
Excluirflutuei lendo, e só *o*
ResponderExcluirQue querida, obrigada!
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